Não se surpreenda se você começar a ouvir música nos corredores de hospitais. Pesquisadores estão descobrindo os poderes dos sons sobre o nosso cérebro – para o bem e para o mal – e usando melodias para o tratamento de doenças.
Alexandre de Santi
Os pesquisadores Alex Doman e Don Campbell reuniram no livro Healing at the speed of sound (A cura com a velocidade do som, sem edição brasileira) grande parte das evidências de que a música, o silêncio e o ruído têm papel importante no nosso humor, no desenvolvimento do cérebro, no estresse e, por consequência, no sistema imunológico. Na obra, ainda sugerem como usar a música em caráter medicinal. Doman conversou com GALILEU sobre as descobertas da ciência e como a música afeta cérebro e corpo.
Doman: Sim, essa é uma área que está crescendo. Há 20 anos, grande parte da discussão sobre os benefícios da música na saúde era vista como piada. Agora, estamos mais avançados, principalmente em neurociência, descobrindo o que acontece no cérebro em resposta à música. Uma das nossas colegas fez um estudo clínico com dois tipos de música compostas para reduzir depressão em 250 pacientes. Mais de 60% dos sintomas diminuíram, algo muito mais efetivo do que os antidepressivos e sem os efeitos colaterais. Essa pesquisa foi transformada em um tratamento contra a depressão financiado pelos governos da Áustria e Alemanha. Em outros casos, quando há comprometimento neurológico, como lesões cerebrais, derrames e autismo, há muitas pesquisas com programas de música que mostram evidências de recuperação do cérebro e melhoria de comportamento. Mas, no geral, sabemos que música pode reduzir estresse e melhorar humor. E isso, isoladamente, tem um impacto profundo na melhoria da qualidade de vida. Quando há música relaxante, o hormônio responsável pelo estresse, o cortisol, é reduzido. E o cortisol compromete o sistema imunológico
E que tipo de música ajuda os depressivos? música alegre?
Doman: Não. O foco não é o humor da pessoa no momento, mas o efeito acumulativo da música com o passar do tempo. Dois tipos de música são usadas. Uma para ajudar quem tem depressão de origem cognitiva, que surge a partir da perda de um parente ou do emprego. Nesses casos, são usadas músicas estimulantes para o cérebro. No caso de pacientes que sofrem de depressão de longa data, com fundo neurofisiológico, eles precisam de canções mais calmas que ajudam a relaxar o sistema límbico, ligado à emoção, para ajudá-los a sair do estado depressivo.
Então, não deveríamos ouvir mais músicas nos hospitais?
Doman: Há uma tendência crescente. Um dos exemplos mais evidentes é a renomada Cleveland Clinic. Eles incorporaram programas musicais não só para pacientes, mas também para familiares e funcionários. Usam seleções que mudam a cada 20 minutos, criadas especialmente para combinar o som com o que acontece no hospital. Também estamos analisando o papel de terapeutas especializados em música que tocam ao vivo para os pacientes como parte do tratamento.
Veremos médicos prescrevendo músicas específicas, como pílulas? ou qualquer tipo de música ajuda?
Doman: É preciso ter a música certa. As pessoas podem montar listas de acordo com 3 princípios chamamos de “marchas”. Você pode separar as canções de acordo com o andamento, o alcance da frequência e arranjo. Na primeira, indicamos músicas de até 60 batidas por minuto (bpm), tons graves e arranjos simplificados. Música ambiente e new age são exemplos e podem ser usadas para acalmar os ritmos do corpo e reduzir estresse. Na marcha 2, são músicas de 60 a 90 bpm, frequências médias e geralmente instrumentais – violões e música barroca, por exemplo –, boas para a concentração. A terceira é de músicas acima de 90 bpm e ampla frequência sonora, como no pop, rock e jazz, para aumentar a energia. Também há música especialmente composta para provocar efeitos psicológicos e físicos determinados. Há receitas médicas destinadas a pessoas que sofrem de transtornos de espectro autista, que recebem uma indicação muito específica de quais músicas escutar, quando e por quanto tempo para reduzir o estresse relacionado à doença.
As receitas são fornecidas por médicos e profissionais como terapeutas ocupacionais. Há um programa musical usado pelo Exército americano para ajudar soldados que estiveram no Iraque e Afeganistão que sofrem de transtorno de estresse pós-traumático e lesões cerebrais.
A música pode curar doenças?
Doman: Existe uma ideia de que música clássica, como Mozart ou Bach, são boas para o cérebro. E são. Mas todos os gêneros podem ser benéficos. Não é o estilo que faz diferença, mas componentes como o ritmo, a melodia, a harmonia, a dinâmica, as frequências e a nossa relação com a música. O elemento mais importante é que você goste da música. Se você não apreciar, o cérebro vai interpretar como ruído.